quinta-feira, 25 de junho de 2009

Tinha de ser esse filme

Já eram 17h18 quando resolvi descer do ônibus na esquina da Paulista com a Consolação, na quinta-feira, dia 24. Queria aproveitar que pago somente R$4 nesse dia para assistir qualquer filme que estivesse prestes a começar. Olhei para o luminoso e o primeiro filme da fila era às 18h. Ia ter de esperar mais de meia hora. Não desisti do meu objetivo. Olhei de novo. Ás 17h10 tinha começardo "Tinha de ser você". Já eram 17h22. Vi que era um filme com Dustin Hoffmann. Adoro ele desde os tempos de Tutsi, quando fez o papel de uma mulher, ou melhor, uma drag. Não me lembro muito bem. Mas dava muitas risadas.

A vendedora de bilhetes me disse que o filme tinha começado na prática fazia um minuto. Como não tinha nada melhor para fazer, resolvi arriscar. Afinal, o pior que poderia acontecer era eu odiar o filme ou não entender lhufas. Não sei se tem algo de inteligente nisso, mas consegui fazer as duas coisas...

Simples, realista, sutil, engraçado. A história de Harvey (Dustin Hoffmann) e Kate (Emma Thompson) é banal e podia acontecer ali mesmo, comigo, no cinema. Não aconteceu. O filme já me cativou de cara, porque começou no Heathrow, o aeroporto de Londres. Ai, que saudade... Foi lá que consegui o primeiro carimbo no meu passaporte.

É lá que Harvey encontra Kate pela primeira vez. Ela estava fazendo uma pesquisa com os passageiros. Ele acabava de chegar dos Estados Unidos, quando ela lhe perguntou se podia responder um questionário. Pior pergunta para se fazer para quem está com jet lag ou coisa parecida; "Estou cansado", respondeu.

O músico estava lá para o casamento da filha Susan. Distante de sua cria, ele perdeu o posto para o segundo marido de sua esposa, Brian, a ponto de Susan convocar o padrasto para levá-la ao altar. Com problemas no trabalho, Harvey mal teria tempo de assistir à cerimônia e muito menos para ficar para a festa de casamento. Tinha de voltar para os Estados Unidos para produzir jingles de comercial.

Um trânsito alucinante, mais para Nova Iorque que para Londres, o faz perder o vôo. Consequentemente, o emprego foi embora. Para afogar o péssimo dia, Harvey entra no bar do aeroporto e pede um Johnnie Walker. Abelhudo, percebe que a pesquisadora com quem tinha sido grosso no dia anterior estava lá. Pede desculpas à Kate e insiste em engrenar uma conversa. Tímida, atormentada pelos constantes telefonemas da mãe, ela desconversa. Por pouco tempo. Ele não desiste e acaba conquistando a moça.

Harvey a segue até o metrô, a acompanha ao curso de redação e a uma longa caminhada ao longo do Tâmisa. Ao fundo, lugares turísticos como o Big Ben, a Golden Bridge, o London Eye, roda gigante imensa que dá olhos a Londres. O casal desfruta da ampla calçada no lado Southwark, a parte mais pobre e cultural de Londres, onde ficam o Shakespeare´s Globe, o Tate Modern, o Aquarium e principalmente os artistas de rua. Kate e Harvey até param para curtir um grupo de rock adolescente. Uma batida para lá de típica na terra dos Beatles.

Kate se entrega ao carisma de Harvey. Ambos, deslocados no ambiente em que vivem, se encantam com a conversa de uma tarde toda. O papo se estende até á noite, na festa de casamento de Susan. O filme focaliza o charme da conquista. Nisso, Harvey é mestre... "Is this a hopeful signal", repete incansavelmente o conquistador otimista quando Kate dá um sorriso ou demonstra que vai ceder. As trapalhadas prosaicas do casal arrancam risos do público... E meus também. Afinal, valeu a pena!

Budapeste é Mesmo Amarela

Sofisticado, o filme Budapeste, dirigido por Walter Carvalho, capta a essência do livro de Chico Buarque, que lhe deu o nome. A disputa entre a fama e o anonimato se revela no atormentado José Costa (Leonardo Medeiros), um ghost writer (escritor fantasma), que divide-se entre Rio e Budapeste, entre a esposa e a amante, entre o português e o húngaro.

No Brasil, Costa não passa de um colecionador de sucessos anônimos. Ele dá fama a um turista alemão que lhe pagou para escrever um livro autobiográfico, mas esconde sua profissão até mesmo da esposa Vanda (Giovanna Antonelli), uma apresentadora de telejornal. Ela questiona incessantemente de nunca ter visto uma obra com o nome do marido. O apagamento da autoria incomoda Costa.

Convidado para um congresso internacional de ghost writers, ele ruma a Budapeste e se apaixona pela educadora de doentes mentais, Kriska (Gabrilla Hámori). “O húngaro não se aprende nos livros” diz a moça ao encontra-lo pela primeira vez em uma livraria, enquanto ele repetia frases de um livro didático. O desafio do autor-fantasma é aprender a nova língua e depois escrever. Seu mergulho é tão intenso que passa a atuar como ghost writer também em Budapeste. Mesmo do outro lado do Atlântico, o dilema de não ser reconhecido pelo que escreve e assistir o sucesso de seus livros da platéia o revolta. Durante outro congresso de ghost writers, reclama a autoria de um livro de poesias, mas volta ao Brasil as pressas por causa do passaporte vencido. Depois de um tempo vendo que até o seu sócio tinha virado um autor de sucesso, recebe um telefonema o convidando a retornar à Hungria: tudo por causa de seu livro, Budapeste.

Dialogando internamente, José Costa narra trechos da história, fazendo o filme caminhar nos mesmos passos lentos do livro. A câmera se desloca lentamente, procura ângulos dignos de cinema francês.

Carvalho apresenta a Budapeste amarela de Buarque com muita sensibilidade, usando e abusando da paisagem da cidade repousando ao longo do Danúbio. No mesmo rio em que o autor coloca a estátua de Lênin, partida em quatro grandes pedaços, deitada em uma balsa. O comunismo navega rio abaixo. O antigo regime vira de ponta cabeça ao passar pela ponte. A passagem não está no livro, mas se encaixa com perfeição no enredo. A fotografia é intensa. Não podia ser diferente. Essa é a primeira vez que Carvalho atua em vôo solo como diretor. Antes, tinha co-dirigido Cazuza, o tempo não pára, ao lado de Sandra Werneck, mas tem uma carreira longa como diretor de fotografia, que inclui filmes como Notícias de uma guerra particular, de João Moreira Sales, e Carandiru, de Hector Babenco. Chico Buarque também dá o ar da graça. Aparece no aeroporto de Budapeste com um sorriso amarelo só para pedir um autografo à José Costa.... ou melhor Kosta Josze... A inversão do nome é a inversão do personagem que passa de ghost no Brasil para autor na Hungria.